sábado, 12 de abril de 2008

Visitas domiciliárias: mito e realidade

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Sir Samuel Luke Fildes: The Doctor. 1891

Noticiaram os media que os médicos de família voltam a fazer visitas domiciliárias porque vão ser pagos por isso. Alguns aspectos desta notícia disparatada foram já discutidos. Seguem alguns contributos.

Existe no nosso imaginário colectivo uma versão idílica do médico de família de outros tempos, assente na figura de João Semana e nos escritos de Fernando Namora. Sejamos claros: só a partir das Caixas de Previdência no final da década de 60 e, sobretudo, com o Serviço Médico à Periferia (pós 25 de Abril) e com a criação da carreira de Clínica Geral do Serviço Nacional de Saúde (no terreno a partir de 1982) é que passou a haver assistência médica de proximidade para a generalidade da população. Antes do 25 de Abril, aliás, a esmagadora da população nascia, crescia e morria sem nunca pôr a vista em cima de um médico, quanto mais ter visitas domiciliárias, privilégio de gente abastada das cidades e pouco mais.

As visitas domiciliárias constituem uma das ferramentas essenciais da medicina geral e familiar. Em todos os países, contudo, elas decaíram significativamente. Vários motivos contribuíram para esse declínio, nomeadamente (i) o aumento da mobilidade individual, facilitando a deslocação dos doentes, (ii) a necessidade de rentabilização do tempo dos médicos, quer em termos de eficiência quer do ponto de vista económico e (iii) o telefone, que permite a resolução de múltiplos problemas sem necessidade de um contacto face a face. Com a carreira de Clínica Geral três ou quatro gerações de médicos começaram a fazer visitas domiciliárias, inicialmente com entusiasmo, mas com um progressivo sentimento de frustração, resultante do facto de não haver qualquer mecanismo que os incentivasse a realizar essa actividade – na verdade a penalização era (e ainda hoje é) a regra. O médico de família não só não recebe um tostão por ir ver os seus doentes a casa, como todos os custos decorrentes dessa consulta são por sua conta – transportes, acidentes no caminho, etc. O que surpreende não é que se façam poucos domicílios: é que haja ainda tantos médicos de família por esse país fora que, apesar das condições desgraçadas em que tantas vezes trabalham, cerrem os dentes e não deixem sem assistência as pessoas que deles precisam em casa.

Voltarei ao tema para não ser excessivamente longo num só post.

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